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SubVersiva



Daiana Terra


Para mim, a colagem é espiralar. Não busco por uma linearidade, mas a (re)organização de narrativas outras (das quais eu ainda nem sei). Acredito que há algo aurático, no sentido mais subjetivo da palavra, em que as imagens chegam aos meus olhos e, com leves “ajustes”, procuram, por si só, seu lugar, como uma espécie de fragmento, dentro da composição do todo. Colagem é (minha) angústia e (meu) conforto. A ansiedade e a calma, como um todo (definitivamente), não nessa ordem.




Daiana Terra - colagem SubVersiva

› Daiana Terra,Cortando o mal pela raiz,2020. Colagem analógica sobre papel revista 75 g, 19,5 × 27,5 cm.





É O PROCESSO EM QUE ME PERMITO DESCOBRIR “NO CAMINHO”E, CONSEQUENTEMENTE (E INEVITAVELMENTE), ME DEIXO LEVAR!


É a expressão artística da qual escolhi fazer das imagens (já dispostas no mundo) meu laboratório íntimo, para experimentações possíveis juntamente com composições (outras).

Ao escolher as imagens, recortá-las, reconfigurá-las e, por fim, ajustá-las na tentativa e erro, procuro transformá-las em algo que, em muitos dos casos, eu ainda não sou capaz de saber. Dessa forma, experimento diversas possibilidades de arranjos possíveis que esses recortes podem me oferecer (e em muitos dos casos oferecem). São as “possibilidades outras” dessas figuras que me movem, e esses deslocamentos são diversos e inevitáveis...


Em alguns casos, em meio aos meus processos criativos, confesso que, ao me sentar para (tentar) colar, parto de ideias por vezes premeditadas, ou até mesmo de carências cotidianas. Há também momentos nos quais me permito ser mais investigativa e desafiadora, recorro ao meu acervo (revistas, jornais, folders de exposições e dezenas de imagens diversas) sem nenhuma pretensão ou tema preestabelecido, suplicando por algo ainda não dito (não visto ou colado)...


É como se, de algum modo, eu estivesse ali disposta ao acaso. Deliberada! Analisando essas representações com narrativas já postas, busco incessantemente novos sentidos para elas, a fim de reflorestar novos imaginários coletivos.


Como o caso do Brasil indígena, um dos trabalhos mais relevantes da minha pro- dução como um todo! Nessa obra reflito o imaginário social brasileiro, construído acerca dos povos originários deste território, nomeado Brasil pelos colonizadores. É inegável que todo território nacional é indígena. Nossas raízes culturais foram herdadas por esses povos originários.



Daiana Terra - colagem SubVersiva



As imagens das quais me aproprio, para a realização das minhas obras, descendem de recortes de revistas, jornais, papéis impressos, folders, programações de exposições, entre outros, como uma das imagens utilizadas na obra, representando uma litogravura indígena do século XIX, presente no álbum Viagem ao Brasil, de Johann Baptiste von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius, publicado em Munique, em 1823. Na outra imagem que compõe o trabalho, temos a representação da imagem de uma fotografia de um homem contemporâneo. Trata-se de Bernardo Oyarzún, artista visual de origem Mapuche, um povo indígena da região centro-sul do Chile e do sudoeste da Argentina. Apesar das figuras dos rostos possuírem diferenças dimensionais, o que gera um anacronismo entre as imagens, ambas carregam as mesmas características fenotípicas. Depois de compor esse trabalho, me aprofundei nas figuras utilizadas. Foi quando conheci Bernardo Oyarzún, que, em seus trabalhos, traz fortemente suas vivências, como na obra Bajo Suspecha, que consiste em seu próprio retrato, como arquivo policial, e um retrato falado da polícia que o coloca como suspeito. Com essa investigação, pude constatar que nossas obras se relacionam ao tratar de temas como identidade e território.


É essa ânsia da reconfiguração dessas outras fabulações (que não a hegemônica) que me desloca para esse lugar da criação/criatividade. De todas as técnicas artísticas, a colagem analógica (que aprendi vendo meu primo “Tuíte” selecionando e organizando as imagens para compor diálogos entre elas, usando como suporte a capa dos seus cadernos) era o tipo de arte que eu entendia. Era o que me havia afetado desde então. De alguma forma, aquilo havia mexido comigo. Acho que foi nesse momento que a arte me chamou. (E eu atendi ao seu chamado)!




Daiana Terra - colagem SubVersiva

› Daiana Terra,Barrabaz, 2021.

Colagem analógica sobre

papel-cartão 90 g

31 × 41 cm





Ancestralidade foi meu primeiro trabalho com colagem analógica depois de anos e mais anos acumulando folders, revistas, jornais e impres- sos dos mais variados tipos, texturas, cores e materiais, dentre eles papéis comuns, adesi- vos e até mesmo, tecidos e etiquetas. Nem eu mesma sabia na época, mas esse trabalho foi minha (re)iniciação para produzir trabalhos com esse propósito.




Daiana Terra - colagem SubVersiva

› Daiana Terra, Ancestralidade, 2018.

Técnica mista de giz de cera, nanquim, tecido e colagem sobre canson

140 g, 29,7 × 42 cm.



Em Ancestralidade, trago uma imagem central de J. D. Okhai Ojeikere (1930-2014), fotógrafo nigeriano que, ao longo de sua carreira, fotografou diferentes penteados femininos da cultura nigeriana. A partir dessa imagem central, passei a incluir mais elementos que remetessem à beleza e ao feminino, assim como à minha própria negritude. São acessórios de cabelo, a roupa e a representação de uma simbologia Adinkra 1 Duafe, com o formato que lembra um pente de madeira e traz o significado da limpeza, beleza e de características associa- das ao feminino, como amor e cuidado. Utilizei também tecido de chita na vestimenta da personagem, bem como nanquim e giz de cera, o que o caracteriza como um trabalho de técnica mista.



A partir das narrativas relacionadas ao universo negro, bem como de artistas visuais do continente africano, fora do eixo hegemônico, passei a pensar de forma mais crítica minhas produções junto à história da arte. Vi na arte contemporânea essa oportunidade de me ver artista, produzindo obras que dialogassem com questões sociais, como violência, raça e território. Além de temas que me atravessam como mulher artista negra e periférica. Esses temas passaram a embasar meus trabalhos desde então. Celebro Ancestralidade (que só foi nomeado anos mais tarde) como o início dessas pesquisas acerca das minhas vivências até os dias atuais.


Trazendo comigo toda essa bagagem pessoal, passei a imprimir em minhas criações um pouco do que eu não conseguia imprimir em palavras. Se antes eu tentava me expressar escrevendo poemas, de modo mais íntimo e discreto, foi na colagem que descobri a possibilidade de existir em outras esferas, construindo minha subjetivi- dade, de modo que me assumisse (e me reconhecesse) como sujeito.



 

NOTA

1 Os Adinkras são também um conhecimento e uma tecnologia ancestral africana que trabalha no campo da linguagem. Nesse sentido, são ideogramas que expressam valores tradicionais, ideias filosóficas, códigos de conduta e normas sociais. Podem ser divididos em algumas categorias, como animais, seres humanos, objetos artesanais, corpos celestiais, plantas e ideias abstratas. A palavra Adinkra tem um significado de despedida na língua Twi do povo Ashanti. O sufixo “Kra” é traduzido como alma, então Adinkra é como um adeus à alma. Assim, esses símbolos estão relacionados a funerais. Nessa cerimônia, as roupas utilizadas pelos participantes eram estampadas com os símbolos como uma mensagem à pessoa falecida.




 

Daiana Terra


Aos 32 anos, é artista visual/colagista, comunicadora, oficineira e arte educadora. Nascida na Zona Leste de São Paulo, a artista atualmente mora em Bauru, onde estudou Artes Visuais na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp – campus Bauru). Possui também bacharelado em Comunicação Social – Rádio e TV, pela Universidade Anhembi-Morumbi; e curso técnico em Comunicação Visual, pela Etec Tiquatira, do Centro Paula Souza. Participou da 30a MAJ – Mostra de Arte da Juventude, da unidade Ribeirão Preto do Sesc São Paulo,com itinerância na unidade Consolação (2022). Integrou a exposição coletiva Visualidade Simultânea 4 (2022), da Secretaria Municipal de Cultura de Bauru. Expôs sua trajetória artística na Oficina Cultural Alfredo Volpi, Zona Leste de São Paulo, sendo sua primeira exposição individual intitulada: Recortes da Memória (2023). Posteriormente, apresentou Querência (2023), sua terceira exposição individual, seguida da mostra coletiva (2023), ambas no Ateliê Casa dois, em Pirituba, São Paulo, em 2023. Além do trabalho como artista visual, SubVersiva encontrou, tanto na educação formal como na não formal, um novo caminho para compartilhar conhecimentos sobre colagem e antirracismo.

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